Universidade de
Brasília
Faculdade de Direito
Disciplina: Atualização
e Prática do Direito 1 (Antropologia do direito)
Professor: Alexandre J.
de M. Fernandes (lexmedeiros@gmail.com)
Horário: 3ª/5ª 19h00 às
20h40
UM
CONVITE PARA JURISTAS À ANTROPOLOGIA
A dogmática jurídica,
que corresponde a mais de 60% das disciplinas que compõem o currículo de
direito, está repleta de concepções tidas como universalizadas e supostamente
alicerçadas em valores comunitários igualmente compartilhados. Apesar disso,
qualquer estudante de direito tem consciência de que muitas dos conceitos
jurídicos são passíveis de contestação, na medida em que expressam ideologias ou
ontologias localizadas e contingentes a contextos sociais e históricos
específicos.
Entretanto, a parte
majoritária dos juristas tem utilizado como ferramenta de transformação das
práticas jurídicas a atividade da interpretação jurídica, procurando demonstrar
como o ordenamento deve se alicerçar e, vestigialmente, como os fatos jurídicos
devem se articular ao ordenamento. Em certo sentido, essa atividade expressa
uma “fetichização” das normas jurídicas, pois procura transformar as práticas
jurídicas por meio de discussões centradas no “dever-ser”, além de traduzir os
fatos sociais por meio de categorias legais. Não é que os juristas deixem de
lado a observação dos padrões sociais e culturais, mas o conhecimento sobre
essas regularidades é utilizado sem rigor metodológico.
A antropologia social é
uma alternativa diferente da atividade de interpretação das normas e igualmente
persuasiva para transformar as concepções jurídicas. Elenco duas razões para
tanto: 1) ao trazer a etnografia dos fenômenos jurídicos, sendo capaz de
registrar e explicitar os imponderáveis da vida cotidiana, o ofício da
antropologia mostra como as normas jurídicas ganham vida nas práticas sociais, expondo
a complexidade que é o “fenômeno jurídico”; 2) o conjunto de textos produzidos
pela antropologia se constitui como asserções generalizáveis que ajudam a
aprimorar a percepção sobre as nossas vidas. As teorias antropológicas, uma vez
internalizadas, permitem fazer com que o estudante relacione os acontecimentos
das diversas práticas jurídicas a concepções gerais da humanidade e, com isso,
descaracterize o senso comum autorizado no meio jurídico.
DINÂMICAS
DE AULA
O curso está
estruturado em semanas, que correspondem a algumas questões antropológicas. A
disciplina será cursada em um ambiente de discussão, em que os estudantes,
depois de lerem o texto designado, trazem algumas falas para sala de aula. Cabe
ao professor realizar comentários sobre essas falas e retomar partes dos textos
que julgar importante. Como se trata de uma disciplina que busca ser um fórum
de discussão, é desejável (para não dizer obrigatório) que o estudante venha
com a leitura prévia do texto. Pela literatura não ser habitual aos estudantes
de direito, não será exigido um domínio das ferramentas analíticas da
antropologia e da sociologia. Assim, caberá ao professor explicar as diferentes
categorias utilizadas pelos cientistas sociais, de modo a facilitar a
compreensão sobre os textos, assim como trazer algumas discussões gerais da
antropologia expressas na leitura complementar. A avaliação dependerá da
quantidade de estudantes presentes na turma.
PROGRAMA (sujeito a modificações)
Prólogo
OLIVEIRA,
Luciano. Não fale do código de Hamurabi!
A pesquisa sócio-jurídica na pós-graduação em Direito.
Aulas 1 e 2: Antropologia, ciência do
humano
GEERTZ,
C. 1966. A transição para a humanidade.
In S. Tax (org.) Panorama da Antropologia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura.
Leitura Complementar
DA
MATTA, Roberto. 1987. A Antropologia no
Quadro das Ciências. In: Relativizando: Uma Introdução à Antropologia. Rio
de Janeiro: Rocco, p. 11-38.
CLASTRES,
Pierre. 2013. Do etnocídio. IN:
Arqueologia da Violência – Ensaios em Antropologia Política. São Paulo: Cosac
Naify.
ALGUMAS QUESTÕES
ANTROPOLÓGICAS
Aulas 3 e 4 – Controle social
BERGER,
Peter. 2001. A perspectiva Sociológica –
o Homem na Sociedade. IN: Perspectivas Sociológicas – Uma visão humanística.
Petrópolis: Vozes.
MAbLINOWSKI,
Bronislaw. 2003. Crime e Costume na
Sociedade Selvagem. Brasília: Editora da UnB. (partes selecionadas)
Leitura Complementar
SCHUCH,
Patrice. 2011. “Antropologia do Direito”:
trajetória e desafios contemporâneos.
RADCLIFFE-BROWN,
A. R. 1973. O Direito Primitivo. IN:
Estrutura e Função na Sociedade Primitiva, Petrópolis: Editora Vozes, pp.
260-69.
Aulas 5 e 6 – Cultura e comparação
GEERTZ,
Clifford. O Saber Local: Fatos e leis em
perspectiva comparada [Parte 1]. IN: O saber local. Vozes: Petropólis,
1998.
KANT
DE LIMA, Roberto. 2009. Sensibilidades
jurídicas, saber e poder: bases culturais de alguns aspectos do direito
brasileiro em uma perspectiva comparada. Anuário Antropológico/2009 (2),
pp. 25-51.
Leitura Complementar
BARTH,
Fredrik. 1989. The analysis of culture in
complex societies. Ethnos, vol. 54: III-IV, pp. 120-142.
WOLF,
Eric. Cultura: panacéia ou problema.
2003 [1994]. In: RIBEIRO, Gustavo Lins e FELDMAN-BIANCO, Bela (Orgs.).
Antropologia e Poder. São Paulo: Unicamp, pp. 291-303.
LARAIA,
Roque. 2003 [1986]. Primeira parte: da
natureza da cultura ou da natureza à cultura. In Cultura. Um conceito
antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, pp. 9-63.
Aula 7 e 8 – Pluralismo Jurídico
SANTOS,
Boaventura de Souza. 2014. O direito dos
oprimidos. Lisboa: Almedina. (partes selecionadas)
MAMDANI,
Mahmood. Ciudadano Y súbdito. África
contemporánea y el legado del colonialismo tardío. Madri: Siglo XXI
Editores, 1998. (partes selecionadas)
Leitura Complementar
CLASTRES,
Pierre. A questão do poder na sociedade
primitiva. IN: Arqueologia da Violência – Ensaios em Antropologia Política.
São Paulo: Cosac Naify.
GEERTZ,
Clifford. O Saber Local: Fatos e leis em
perspectiva comparada [Parte 2 e 3]. IN:____. O saber local. Vozes:
Petropólis, 1998.
Aula 9 e 10 – Conflitos e simbolismo
SIMMEL,
George. A natureza sociológica do
conflito. In Simmel. Organizado por Evaristo Moraes Filho (Coleção Grandes
Cientistas Sociais). São Paulo: Ática, pp. 122-134.
PERRONE,
Tatiana. 2014. Valores morais e
monetários em conflito: uma etnografia em Varas de Família. Pensata 3 (2).
UNIFESP.
Leitura Complementar
CARDOSO
DE OLIVEIRA, L. R. 2011 A dimensão
simbólica dos direitos e a análise de conflitos. Revista de Antropologia
(USP. Impresso), v. 53, p. 451-473.
Aula 11 e 12 – Trocas e reciprocidade
MAUSS,
Marcel. 2013. Ensaio sobre a dádiva.
São Paulo: Cosac Naify.
BEVILÁQUA,
Ciméa. 2001. Notas sobre a forma e a
razão dos conflitos no mercado de consumo. Sociedade e Estado (Dádiva e
solidariedades urbanas), volume XVI, nº 1-2, janeiro-dezembro de 2001, pp.
306-334.
Leitura Complementar
OLIVEIRA,
Luís Roberto Cardoso. 2004. Honra,
dignidade e reciprocidade. Série Antropologia 344. UnB.
Aulas 13 e 14 – Sentimentos
MAUSS,
Marcel. 1974. A expressão obrigatória de
sentimentos. IN: MAUSS. (org. Roberto Cardoso de Oliveira). São Paulo:
Ática, p. 147-154.
MELLO,
Kátia Sento Sé. O Sofrimento como Recurso
de Acesso ao Direito: efeitos da política de recadastramento dos camelôs em
Niterói/RJ. In: Cidade e Conflito. Guardas Municipais e Camelôs. Niterói,
Editora da UFF, 2011, p. 161-189.
Leitura Complementar:
FERNANDES,
Alexandre. 2011. Traduzindo demandas –
uma etnografia das ações de alimentos na defensoria pública de São Sebastião.
Monografia de Graduação em Direito. Brasíla, UnB.
SIMIÃO,
Daniel e all. Sentidos de justiça e
reconhecimento em formas extrajudiciais de resolução de conflitos em Belo
Horizonte. In: LIMA, Roberto Kant; EILBAUM, Lucia; PIRES, Lenin. (Org.).
Conflitos, direitos e moralidades em perspectiva comparada.. Rio de Janeiro:
Garamond, 2010, v. 1, p. 221-250.
Aulas 15 e 16 – Rituais
PEIRANO,
Mariza. 2003. Rituais ontem e hoje.
Ciências sociais passo-a-passo 24. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores.
SILVA,
Kelly Cristiane da. 2000. Que venha uma
nova mulher. Notas sobre um ritual feminista de atendimento a mulheres vítimas
de violência. Série Antropologia (Brasília. Online), v. 283, p. 81-100.
Leitura Complementar:
GcLUCKMAN,
Max. 1954. Rituais de rebelião no
sudoeste de África. Série textos de aula, Antropologia 4, Brasília: Editora
da UnB, 34 p.
VAN
GENNEP, Arnold. 2012. Os ritos de
passagem. Petropólis: Vozes.
Aula 17 e 18 – Marcadores sociais da
diferença
CORREA,
Mariza. 1983. Morte em família:
representações jurídicas de papéis sexuais. Graal.
Sessão de filme
LESTRADE,
Jean. 2001. Assassinato Numa Manhã de
Domingo. Documentário (115m).
Leitura Complementar:
DEBERT,
Guita. Julho-dezembro de 2010. Desafios
da politização da justiça e a antropologia do direito. Revista de Antropologia.
SCHRITZMEYER,
Ana Lúcia Pastore. 2004. Sortilégio de
Saberes: curandeiros e juízes nos tribunais brasileiros (1900-1990). São
Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Aula 19 e 20 – Reprodução e parentesco
FONSECA,
Claudia L. W. 2005. DNA e paternidade: a
certeza que pariu a dúvida. Revista de Estudos Feministas, Florianopolis,
v. 12(2): 13-34.
LUNA,
Naara. 2005. Natureza humana criada em
laboratório: biologização e genetização do parentesco nas novas tecnologias
reprodutivas. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, 12(2): 395-417.
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12n2/08.pdf
Leitura Complementar
RADCLIFFE-BROWN,
A.R. 1973 [1941]. O Estudo dos Sistemas
de Parentesco. Estrutura e função na sociedade primitiva. Rio de Janeiro:
Vozes. pp. 67-114.
Aula 21 e 22 - As Hegemonias Legais: o
Valor da Harmonia
NADER,
Laura. 1994. Harmonia Coerciva: A
Economia Política dos Modelos Jurídicos. In: Revista Brasileira de Ciências
Sociais, Número 26.
DEBERT,
Guita Grin e BERALDO DE OLIVEIRA, Marcella. julho-dezembro de 2007. Os modelos conciliatórios de solução de
conflitos e a “violência doméstica. In: Cadernos Pagu (29),305-337.
Leitura Complementar:
SCHUCH,
Patrice. 2008. “Tecnologias da Não Violência e Modernização da Justiça no
Brasil: o caso da Justiça Restaurativa”. Civitas (Porto Alegre), v. 8, p.
498-520.
Aula 23 e 24 – Noção de pessoa e cidadania
CARDOSO
DE OLIVEIRA, Luis Roberto. 2011. Concepções
de Igualdade e Cidadania. Contemporânea - Revista de Sociologia da UFSCar,
v. 1, pp. 35-48
DAMATTA,
Roberto. Sabe com quem está falando? Um
ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil. In: Carnavais.
Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. pp.179-248.
Leitura Complementar
Mauss,
Marcel. 2003 [1938]. Uma Categoria do
Espírito Humano: a noção de pessoa, a de “eu”. IN: Sociologia e
Antropologia. São Paulo: CosacNaify.
DUMONT,
Louis. 1984. O Individualismo. São
Paulo: Rocco.
Aulas 25 e 26 - Resumo dos trabalhos finais
Aula 27 e 28 - Subjetivações
GOFFMAN,
Erving. 1974. Estigma: Notas sobre a
Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar. (partes
selecionadas)
CARDOSO
DE OLIVEIRA, L. R. 2008. Existe Violência
Sem Agressão Moral?. Revista Brasileira de Ciências Sociais (Impresso), v.
23, p. 135-146. Acessível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v23n67/10.pdf
Leitura Complementar
ELIAS,
Norberto. 2013 Os Estabelecidos e os
Outsiders. Zahar Editores.
Aula 29 e 30 – Sobre etnografia
VELHO,
Gilberto. 1981. Observando o familiar.
Em: Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade
contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Pp. 121- 132.
CARDOSO
DE OLIVEIRA, Roberto. 2000. O trabalho do
antropólogo: olhar, ouvir, escrever. Em: O trabalho de antropólogo. São
Paulo: UNESP. Pp. 17-35.
Leitura Complementar
GEERTZ,
Clifford. 1989. Um jogo absorvente: Notas
sobre a briga de galos balinesa. In A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC.
EVANS-PRITCHARD,
E. E. 2005 [1937]. Apêndice IV: algumas
reminiscências e reflexões sobre o trabalho de campo. Em: Bruxaria,
Oráculos e Magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Pp. 243-255.
CARDOSO
DE OLIVEIRA, Roberto. 2000. O trabalho do
antropólogo: olhar, ouvir, escrever. Em: O trabalho de antropólogo. São
Paulo: UNESP. Pp. 17-35.
Aula 31-33 – Discussão dos trabalhos
Finais