quinta-feira, 19 de maio de 2011

O beijo do fim da guerra

Uma das fotos mais famosas da segunda guerra é "the end's war kiss", tirada no meio da rua de Nova Iorque.


"Eu estava no metrô na Times Square e quando eu subia as escadas, uma mulher do lado de fora me disse que ela estava muito feliz por mim. Eu perguntei 'Hey por quê?" e ela disse: "A guerra acabou, você pode ir para casa agora!". Eu estava tão animado que eu comecei a pular e gritar, porque o meu irmão mais velho era um prisioneiro de guerra(...) Em seguida, a enfermeira abriu os braços para mim. Fui até lá e beijou-a. Vi um homem correndo para perto da gente... Eu pensei que era um marido ciumento ou namorado querendo me arrancar os olhos. Quando olhei para cima, vi que ele estava tirando a foto. Aí eu beijei ela o tempo necessário para ele tirar a foto. Eu inclinei a minha mão para trás, para que pudesse mostra o rosto dela... "

Ninguém acha esta foto pornográfica. Ninguém acha esta foto "pornografia lascívia". Por que um beijaço gay seria?

Se o Marcelo Hermes, professor da UnB, acha que o corredor da universidade não é um "lugar de beijos lascivos (seja gay ou hetero)", então ele vê esta foto como pornografia e que milhares de livros de história mundial e dos Estados Unidos são revistas pornôs, estilo "Playboy" e "GMagazine".

Marcelo Hermes, se você vê aquelas fotos com pornografia, ou você tá fazendo um julgamento que a foto "The end's war kiss" é pornografia, ou você ficou com tesãozinho por aqueles dois garotos bonitos que apareceram no site da UnB... qualquer das alternativas é super lamentável.

íntegra do texto do Marcelo Hermes: http://cienciabrasil.blogspot.com/2011/05/unb-promove-o-atentado-ao-pudor-no-seu.html



sexta-feira, 13 de maio de 2011


"É melhor morrer jovem enquanto está no auge". O auge, entretanto, já se foi há muito tempo.

Lacraia tem este apelido por ser uma dançarina de grande desenvoltura corporal. Diferentemente, Aluisio de Azevedo, no seu romance "O Cortiço", descreve uma personagem, a Rita Baiana, não por meio de um apelido, mas pela metáfora "requebrava como uma cobra". Mais de um século de diferença, nem há mais razões de se utilizar da metáfora "como uma cobra"; a metonímia serve bem melhor, economiza palavras. Aliás, a metonímia assume a nossa animalidade. Agora somos tigrões, cachorras, melancias.

Lacraia é símbolo dessa mudança, mostrando que a distinção "natureza e cultura" é de uma epistemologia retrógrada, machista e heteronormativa. Ser meio animal permite romper com oposições que calam quem não se enquadra nelas.

Lacraia, meio homem, meio mulher e meio animal, foi duramente criticada quando surgiu no Domingo Legal do ano de 2003. Pais ficaram enfurecidos em dar destaque a um indivíduo que ensinava às pessoas demonstrarem sexualidade de maneira dúbia. É como se ela fosse um sapato que jamais poderia ser colocado em cima da mesa. A Lacraia, em si, não era "suja", mas o lugar dela não "era no domingo à tarde". Como sapato, seu lugar era o chão. Ainda bem que a Lacraia teve voz (e imagem) e que as pessoas sintonizaram às televisões para ver seu requebrado e escutar McSerginho.

Lacraia trouxe voz aos híbridos da natureza e da cultura. Pode não ter ficado no auge e ter morrido em um ostracismo relativo, já que agora a moda é mulheres frutas. Mas as mulheres frutas só têm voz hoje porque um dia foi permitido que a mulher réptil dançasse "tô mandando um beijinho pra filhinha e pra vovó/ só não posso esquecer da minha égua pocotó".