quarta-feira, 30 de julho de 2014

Adriana Calcanhotto: modo de fazer


Duas considerações, antes de iniciar minha questão principal. A primeira era que eu deveria escrever um texto para a disciplina "Análise de Sistemas Interétnicos", que deverá ser entregue ate o dia 20 (terça-feira que vem). A segunda é que a foto acima mostra um violão sendo estragado para tirar uma foto. Que contraproducente (palavra que aprendi hoje).
Bem, a foto mostra uma dessas cantoras brasileiras famosas. Adriana Calcanhotto, gaúcha por definição, carioca por opção. Bacana, sacana, dourada, poeta, profeta. Poderia ficar enumerando uma série de afirmações sobre esta mulher, mas vou tentar caracterizá-la enquanto compositora de músicas. Em relação aos arranjos, eu talvez tenha pouco a dizer. Porém, como compositora, tenho a dizer que ela é: enumeradora, repetidora de palavras, dadaísta.
O que eu quero dizer? Bem, apenas é uma observação que eu fiz de várias das canções que ela escreveu. Adriana Calcanhotto utiliza-se muito do recurso da "enumeração", ou seja, de repetir estruturas simples e/ou mudar uma palavra. Vejamos o álbum "Senhas", de 1992. A primeira faixa, "Senhas", começa assim:
“Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto.”
Do primeiro verso, muda de "gosto" para "senso". Desse pro terceiro, "modos", apenas mantendo a concordância nominal. No quarto verso, oculta-se o sujeito e retira o objeto. Uma pobreza na qualidade dos versos, o que não é necessariamente um problema.  Continuando a música, Adriana Calcanhotto torna-se um pouco mais diversificada de palavras. Ela modifica os verbos, apesar de manter versos na primeira pessoa do singular.
“Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos”
O que se observa é uma concatenação de versos com uma repetição de orações simples na primeira pessoa. "Eu não gosto", "Eu aguento até rigores", "Eu respeito conveniências".
Ok, é apenas uma faixa. Mas, continuando o resto do álbum, Adriana Calcanhotto faz diversas canções do mesmo jeito. Observe, por exemplo, “Graffitis”, que não é a enumeração de frases de uma mesma estrutura, mas apenas de palavras, interrompida por algumas frases:
“Por meus passos velozes/ vapores/ suores/ sotaques/ antenas/ Antunes/ stones/ Por meus passos ligeiros/ graffitis/ mau cheiro/ Não fosse por você eu não notava essa cidade(...) Em meus passos, sapatos/ poeiras/ postes/ postos/ poetas/ profetas/ projetos/ notícias /negócios// Por meus passos rápidos,/ meus alvos/ meu norte/ Por minha lente meu olhar,/ meu foco/ meus olhos”
Além dessa, a música mais enumerativa de Adriana Calcanhotto se chama “tons”:
“Roxos/ Todos/ Pretos/ Partes/ Pratas/ Andrades/ Azuis/ Azares/ Amarras/ Amar/ Elos/ Amargores/ Calipsos/ Cortesias/ Cortes/ Cores e/ rancores// Luzes/ Milagres/ Lilases/ Rosas/ Guimarães/ Mulatos/ Dourados/ Rubores/ Castigos/ Castanhos/ Castores/ Havanas/ Avanços e/ Brancos/ Cobranças/ Cinzentos/ Cimentos/ Crianças/ nas sarjetas/ Nojentas/ Imagens/ Violeta/ Magentas/ Laranjas/ Matizes/ Cremes/ Crimes/ Cobaltos/ Assaltos/ Turquesas/ Pérolas/ aos hipócritas/ Ocres/ Terras/ Telhas/ Gelos/ Gemas”

Essas são três canções de um álbum. Mas, se vocês forem para outros que tenham composições originais da Adriana Calcanhotto, ela se repete. No CD “Cantada” (2003), a gaúcha também faz, de novo, enumerações, especificamente na faixa “Sou sua”:
Sou sua luz/ Sou sua cruz/ Sou sua flor/ Sou sua jura/ Sou sua cura/ Pro mal do amor/ Sou sua meia/ Sou sua sereia/ Cheia de sol/ Sou sua lua/ Sua carne crua/ Sobre o lençol/ Sou sua Amélia/ Sou sua Ofélia/ Sou sua foz/ Sou sua fonte/ Sou sua ponte/ pro além de nós/ Sou sua chita/ Sua criptonita/ Sou sua Lois/ Sou sua Jóia/ Sou sua Nóia/ Sua outra voz/ Sou sua/ Sou sua/ Sou sua/ Plenamente/ Simplesmente.
A canção que sucede a essa, chamada "sou seu", também é dessa maneira ("Sou seu colombo/ seu coração/ o seu canário/ sou o seu carvão").
Talvez seja uma visão impressionista e por isso não gostaria de ser tão enfático quanto a um modelo único de fazer música da Adriana. Há canções que fogem disso, como, por exemplo, “Água Perrier”, do álbum “Senhas”. Do mesmo modo, eu não fiz uma análise de todas as músicas que ela compôs e cantou. É apenas uma leve sensação de que ela se repete nos modos de escrever.
Em tempo, até mesmo quando ela cantou músicas de outros autores, ela gosta do uso dessas formas de música com palavras seguidas. O poema de Waly Salomão, chamado “Remix Século XX” é mais um exemplo disso.

No devir histórico

Meu blog está às moscas há um ano. Nem sei se as pessoas leem, e talvez a falta de retorno em comentários faz com que eu perca um pouco de vontade de escrever nele. Ao mesmo tempo, penso que retomar é trazer memórias e ideias que eu já nem concordo. Foi essa a sensação que eu tive quando eu li alguns textos aqui, que eu já os acho cheio de defeitos. Eu não queria fazer essa discussão meta-blogger, mas temo que seja necessária. Afinal, eu passei meses sem divulgar nada. Era muito importante retomar as ideias que as fazem presentes. E também aqui se exige uma remodelação da proposta deste blog, que eu já perdi nas memórias extensas do meu dia-a-dia. Neste sentido, creio que retomar esse blog se faz pela potencialidade de ter um leitor assíduo das ideias aqui presentes. Acho que, por ter um público-alvo mais visualizado, é possível eu conseguir me motivar a escrever. Guilherme, penso que você vai gastar um tempinho nas suas leituras do blog.