Duas
considerações, antes de iniciar minha questão principal. A primeira era que eu
deveria escrever um texto para a disciplina "Análise de Sistemas
Interétnicos", que deverá ser entregue ate o dia 20 (terça-feira que vem).
A segunda é que a foto acima mostra um violão sendo estragado para tirar uma
foto. Que contraproducente (palavra que aprendi hoje).
Bem,
a foto mostra uma dessas cantoras brasileiras famosas. Adriana Calcanhotto,
gaúcha por definição, carioca por opção. Bacana, sacana, dourada, poeta, profeta.
Poderia ficar enumerando uma série de afirmações sobre esta mulher, mas vou
tentar caracterizá-la enquanto compositora de músicas. Em relação aos arranjos,
eu talvez tenha pouco a dizer. Porém, como compositora, tenho a dizer que ela
é: enumeradora, repetidora de palavras, dadaísta.
O
que eu quero dizer? Bem, apenas é uma observação que eu fiz de várias das
canções que ela escreveu. Adriana Calcanhotto utiliza-se muito do recurso da
"enumeração", ou seja, de repetir estruturas simples e/ou mudar uma palavra.
Vejamos o álbum "Senhas", de 1992. A primeira faixa,
"Senhas", começa assim:
“Eu
não gosto do bom gosto
Eu
não gosto do bom senso
Eu
não gosto dos bons modos
Não
gosto.”
Do
primeiro verso, muda de "gosto" para "senso". Desse pro
terceiro, "modos", apenas mantendo a concordância nominal. No quarto
verso, oculta-se o sujeito e retira o objeto. Uma pobreza na qualidade dos
versos, o que não é necessariamente um problema. Continuando a música, Adriana Calcanhotto
torna-se um pouco mais diversificada de palavras. Ela modifica os verbos,
apesar de manter versos na primeira pessoa do singular.
“Eu
aguento até rigores
Eu
não tenho pena dos traídos
Eu
hospedo infratores e banidos
Eu
respeito conveniências
Eu
não ligo pra conchavos
Eu
suporto aparências
Eu
não gosto de maus tratos”
O
que se observa é uma concatenação de versos com uma repetição de orações
simples na primeira pessoa. "Eu não gosto", "Eu aguento até
rigores", "Eu respeito conveniências".
Ok,
é apenas uma faixa. Mas, continuando o resto do álbum, Adriana Calcanhotto faz
diversas canções do mesmo jeito. Observe, por exemplo, “Graffitis”, que não é a
enumeração de frases de uma mesma estrutura, mas apenas de palavras,
interrompida por algumas frases:
“Por
meus passos velozes/ vapores/ suores/ sotaques/ antenas/ Antunes/ stones/ Por
meus passos ligeiros/ graffitis/ mau cheiro/ Não fosse por você eu não notava
essa cidade(...) Em meus passos, sapatos/ poeiras/ postes/ postos/ poetas/
profetas/ projetos/ notícias /negócios// Por meus passos rápidos,/ meus alvos/
meu norte/ Por minha lente meu olhar,/ meu foco/ meus olhos”
Além
dessa, a música mais enumerativa de Adriana Calcanhotto se chama “tons”:
“Roxos/
Todos/ Pretos/ Partes/ Pratas/ Andrades/ Azuis/ Azares/ Amarras/ Amar/ Elos/
Amargores/ Calipsos/ Cortesias/ Cortes/ Cores e/ rancores// Luzes/ Milagres/
Lilases/ Rosas/ Guimarães/ Mulatos/ Dourados/ Rubores/ Castigos/ Castanhos/
Castores/ Havanas/ Avanços e/ Brancos/ Cobranças/ Cinzentos/ Cimentos/
Crianças/ nas sarjetas/ Nojentas/ Imagens/ Violeta/ Magentas/ Laranjas/
Matizes/ Cremes/ Crimes/ Cobaltos/ Assaltos/ Turquesas/ Pérolas/ aos
hipócritas/ Ocres/ Terras/ Telhas/ Gelos/ Gemas”
Essas
são três canções de um álbum. Mas, se vocês forem para outros que tenham
composições originais da Adriana Calcanhotto, ela se repete. No CD “Cantada”
(2003), a gaúcha também faz, de novo, enumerações, especificamente na faixa
“Sou sua”:
Sou
sua luz/ Sou sua cruz/ Sou sua flor/ Sou sua jura/ Sou sua cura/ Pro mal do
amor/ Sou sua meia/ Sou sua sereia/ Cheia de sol/ Sou sua lua/ Sua carne crua/
Sobre o lençol/ Sou sua Amélia/ Sou sua Ofélia/ Sou sua foz/ Sou sua fonte/ Sou
sua ponte/ pro além de nós/ Sou sua chita/ Sua criptonita/ Sou sua Lois/ Sou
sua Jóia/ Sou sua Nóia/ Sua outra voz/ Sou sua/ Sou sua/ Sou sua/ Plenamente/
Simplesmente.
A
canção que sucede a essa, chamada "sou seu", também é dessa maneira
("Sou seu colombo/ seu coração/ o seu canário/ sou o seu carvão").
Talvez
seja uma visão impressionista e por isso não gostaria de ser tão enfático
quanto a um modelo único de fazer música da Adriana. Há canções que fogem
disso, como, por exemplo, “Água Perrier”, do álbum “Senhas”. Do mesmo modo, eu
não fiz uma análise de todas as músicas que ela compôs e cantou. É apenas uma
leve sensação de que ela se repete nos modos de escrever.
Em
tempo, até mesmo quando ela cantou músicas de outros autores, ela gosta do uso
dessas formas de música com palavras seguidas. O poema de Waly Salomão, chamado
“Remix Século XX” é mais um exemplo disso.
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