sábado, 2 de abril de 2011

Do médio ao superior - algumas continuidades e rupturas de ensino.

Estou acompanhando estudantes da Universidade de Brasília em seu primeiro semestre. São estudantes do curso de direito, em sua maioria realizando a primeira graduação. Sinto que há rupturas e continuidades com o ensino médio. Apresento, aqui, apenas um exemplo de cada uma.

Uma ruptura
Na aula de introdução ao direito, sentam-se todos na sala e aguardam o professor chegar, tendo sempre um olho em direção à porta de entrada da sala. A disciplina da escola ginasial, que faz com que não seja desejável você sair da sala de aula enquanto espera o professor, ainda tem ação social nos seus estudantes. Lembro-me que, certa vez no meu primeiro semestre, fui dar um passeio pelo pavilhão João Calmon e comer na cantina do Anísio Teixeira. Passei cerca de 20 minutos e retornei à aula. Minha colega, também caloura e egressa do colégio, ao final da aula, me afirmou: "nossa, Alexandre, você demorou tanto. Estava doida para ir ao banheiro". O que aconteceu foi que esta esperou eu voltar para ela ir ao banheiro, resultado da etiqueta escolar que proíbe a saída de mais de um estudante por vez.

Uma continuidade
O professor fala em sala de aula e o estudante copia. O caderno ainda é a principal tecnologia de aprendizado ("eu só cobro o que eu dou em aula"). O professor faz sua abordagem sobre os conceitos de "Ciência", "cultura" e "direito", mas é incapaz de afirmar qual é a matriz teórica que segue, nem indicar quais autores pensam desta maneira sobre determinado objeto.
Fazem da ciência uma só, e nem mostra a cara de quem está atrás desta ciência. Eu, durante certa aula, estava vendo Tércio Sampaio, Durkheim e Saussure por trás do que o professor falava, mesmo que este não tenha citado o nome de qualquer um destes teóricos. Os calouros, infelizmente, não sabem que aquilo ali tinha uma origem autoral e empreendem a compreensão daqueles fenômenos como a única forma de tocar o conhecimento. E o professor, para mim, fica no mesmo nível do professor de ensino médio. Repete a ação de um professor de ensino médio de história, que fez com que eu me tornasse temporariamente e inconscientemente um marxista (escrevia nas minhas provas que "O faraó dominava a sociedade egípcia por controlar os meios de produção"). Lamentável.

Sei que as relações sempre são hierárquicas, que os professores são mais poderosos do que os estudantes e têm o domínio do sistema coercitivo, e não quero romper com isto. Mas saibam que ver revoltas estudantis me lava a alma. Professores, deixem as crianças em paz.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Por múltiplas histórias do CADir


Por histórias múltiplas do CADir
Alexandre J. de M. Fernandes

Durante os anos 1980, brasileiros foram às ruas e pintaram seus rostos, ocuparam os espaços públicos e gritaram pelo “Diretas Já”. As insatisfações com os governos autoritários e uma diversidade de fatores de ordem econômica e social lançaram uma semente de esperança nos corações de muitos cidadãos, e, de fato, o Brasil começou a trilhar o caminho para a redemocratização. Pode ser que o “Diretas Já” não tenha sido um evento que conseguiu cumprir todas as suas propostas, assim como as práticas anti-democráticas não cessaram por tal ocasião. É certo que este foi um evento “vitorioso” e que ‘revolucionou’ as governabilidades no Brasil, um marco da história do Brasil
Eu não era nascido à época destes eventos, mas foi esta a imagem que eu tenho do movimento “Diretas Já”. 01No entanto, a existência de diversas historiografias sobre o mesmo evento fez com que eu construísse uma história tridimensional do passado do meu país. Entre uma dessas dimensões foi sobre a imprensa do Brasil, especificamente a Rede Globo, que se apresentou contrária ao movimento. Exemplo clássico desta atitude foi sua cobertura do Comício da Praça da Sé, São Paulo, realizada em 25 de janeiro de 1984, obscurecendo que se tratava do “Diretas Já” e afirmando que aquela manifestação era mera comemoração do aniversário da cidade. Depois de 20 anos dos acontecimentos, a Rede Globo afirmou que agiu de maneira “imparcial” [vide o livro “Jornal Nacional - A Notícia faz história, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004], indicando que não era contrária ao movimento.
Trazer à tona um evento de amplo conhecimento nacional é uma forma de introduzir as minhas questões em relação ao espaço político da Universidade de Brasília, especificamente aos estudantes vinculados à Faculdade de Direito. Eventos políticos ocorrem na UnB o tempo inteiro e alguns se tornam marcos da história desta universidade. Se existe uma reflexão melhor sobre o direito à memória nacional brasileira, esta também deve ser aplicada às memórias das instituições políticas que fazemos parte no nosso dia-a-dia.
Partindo do macro, quero manifestar um anseio para que contemos diversas histórias sobre o Centro Acadêmico do Direito da Universidade de Brasília, que esta história seja transmitida aos corpos discentes que virão através de fontes para além do “Manual do Calouro” ou dos dizeres dos integrantes das gestões diretoras, atuais e passadas.
Desta maneira, farei alguns comentários sobre um evento específico, tentando mostrar que existem interpretações divergentes sobre determinados fatos, que diversas vezes o corpo discente da FD/UnB, ao ser representado por um ente coletivo, o CADir, pode ter sua história contada de maneira diferente.

A ocupação da reitoria

Timothy Mullholand foi o reitor da UnB, mas a existência de diversas acusações de desvios de verbas, de práticas autoritárias e da compra de lixeiras de mais de dois mil reais fez com que estudantes da UnB se mostrassem insatisfeito com sua gestão. As acusações foram tantas que o Diretório Central dos Estudantes convocaram uma assembléia geral dos estudantes no Ceubinho no começo do mês de abril de 2009 e, através de uma deliberação, caminharam (ou marcharam?) rumo à reitoria, talvez inspirados nas ações dos grupos estudantis da Universidade de São Paulo, que também chegaram a ocupar a sua reitoria.
O site eletrônico da UnB começou a anunciar as ações deste grupo. Colocaram fotos dos ocupantes; a impressão que eu tive (ou talvez eu tenha construído isto na minha memória) era de estudantes raivosos (até espumavam). Nas mãos destes estudantes tinham cadeiras e outros objetos que serviriam para um conflito físico. A Secretaria de Comunicação (SECOM) reservou uma seção da página para o que chamava de “Invasão da Reitoria”. Começava, a partir daquele momento, a disputa terminológica entre “invasão” e “ocupação”. Invasão, categoria que remete às ações dos EUA em países asiáticos, indicaria que o movimento daqueles poucos estudantes eram “agressivos”. Os agressivos, ao contrário, se autodenominaram “ocupantes”.
Apesar da SECOM pintar os estudantes como “ilegítimos”, o movimento da ocupação/invasão da reitoria teve carisma suficiente para reunir a atenção de diversos estudantes. E os ocupantes que estavam ilhados no gabinete do reitor se viram apoiados por um grupo considerável de estudantes que faziam coro no pátio da reitoria.
Entretanto, as primeiras manifestações que eu vi nos grupos de e-mail, de estudantes da Faculdade, foram no sentido de que se tratava de “totalismo puro”, de “ações parciais” e de “baderneiros”. A primeira manifestação pública do Centro Acadêmico de Direito foi apresentar a nota oficial do Movimento de ocupação no I-CADir 517, editado por João Telésforo (então secretário do Centro Acadêmico – Gestão CADir em Movimento). A nota era antecedida por uma nota do Centro Acadêmico, afirmando que ainda não tinha posição institucional sobre o evento:
O CADir ainda não tem um posicionamento institucional sobre a ocupação. Estamos divulgando a nota abaixo para manter os estudantes informados e dar início ao debate sobre o mérito do ato de ocupação e de suas reivindicações. O assunto será debatido na reunião do Conselho de Representantes deste sábado, para a qual convidamos todos.

Em 8 de abril, o I-CADir convocou todos os estudantes do direito para uma Assembléia Geral Extraordinária para que estes se manifestassem sobre a seguinte pauta: 1. Posicionamento do CADir sobre a ocupação da Reitoria pelos estudantes, 2. Posicionamento do CADir sobre a pauta de reivindicações dos estudantes.
Durante a assembléia, grande parte dos estudantes se juntou nos jardins da FA e alguns se inscreveram para manifestar sobre a pauta, sendo favoráveis ou não. Depois de diversos falarem, a gestão diretora fez com que as pessoas que se posicionassem a favor da ocupação ficassem de um lado e os que fossem contrários ficassem do outro. Eu não me lembro qual foi o resultado numérico, mas creio que a diferença foi de dois terços contrários a ocupação e um terço a favor da ocupação. O segundo ponto de pauta, por ser diretamente ligado ao primeiro ponto, não foi de tanto interesse dos estudantes, que após uma longa discussão sobre o primeiro ponto, se dispersaram.
Assim, o Centro acadêmico se tornava um dos primeiros CAs da Universidade (não confirmo, mas talvez tenha sido o único) a se posicionar contrário a ocupação da reitoria. Talvez tendo um espírito de superego da UnB, os estudantes da Faculdade de Direito fizeram sua representação coletiva no sentido de serem contrários ao movimento “em defesa de um procedimento institucional para a cassação do mandato do reitor Timothy Mulholland, permitindo a sua ampla defesa e o devido processo legal”.
Em 23 de abril daquele ano, o reitor e o vice-reitor renunciaram. A ocupação da reitoria continuou por mais um tempo, pois ainda havia como pauta a discussão da paridade entre estudantes, professores e servidors. O CADir, pelo o que eu tenho conhecimento, jamais registrou no I-CADir a ata daquela assembléia, ou que tenha se posicionado contrário ao movimento.

Três anos depois...
Hoje, o Centro Acadêmico não tem registros públicos de tais eventos. No “Manual do calourx”, no tópico do movimento estudantil, não há atualizações indicando a importância daquele evento para os rumos da UnB.
Muitas pessoas que, à época, se posicionaram contrários ao movimento, hoje apresentam certo arrependimento, afirmando que se tratava de “um cegueira institucional”. Em texto publicado no grupo de e-mails do Conselho do CADir, o então secretário da gestão do CADir, João Telésforo chegou a afirmar que “os estudantes podem pressionar as instituições a fazê-lo. Querer tomar para si esse poder é querer tornar as instituições democráticas reféns da ação de um grupo político parcial. É o grupo parcial assumir-se como totalidade. É totalitarismo puro". Hoje, o mesmo afirma que, à época, ainda não “despertara do sonho dogmático”:
“Eu apoiava o intuito do movimento, mas era contra devido a uma visão institucionalista parcial: que dava peso excessivo ao instituído, e muito pouco ao instituinte que se manifestava ali. Costumo dizer que a ocupação me acordou do meu sono dogmático. Ao final, eu já tinha revisado minha posição a respeito dela, e aquilo mudou minha visão do direito e da democracia...”


Considerações finais
Não é a primeira vez que o CADir deixa de registrar eventos de sua história. Não tenho o menor conhecimento sobre o que chegou a acontecer na Faculdade de Direito durante os anos do regime militar, mas escutei certa vez do Professor Cristiano Paixão que houve estudantes do Centro acadêmico que foram condizentes com a perseguição de estudantes “rebeldes”. Estas histórias, que ficam escondidas em arquivos mal visitados ou sobrevivem apenas na história oral, tem de utilizar da tecnologia da escrita e da publicização dela para permitirem uma memória institucional.
É, portanto, necessário registrar todas as coisas que o CADir faz. O CADir, pela experiência da minha graduação, comparativamente com outros centros acadêmicos da Universidade de Brasília, apresenta-se bastante organizado e proativo, sendo, por muitas vezes, essencial para a administração do curso de graduação. E isto também deve ser memorizado e relembrado.
É importante também que se reviva tal memória por múltiplas vozes, para que não ocorra ações como a Rede Globo realiza, a de, às vezes, se mostrar como sujeito das ações de movimentos tidos como gloriosos por uma maioria. Em um dos discursos da colação de grau do 1°/2011, foi afirmado, em outras palavras, que os estudantes de direito foram proativo na ocupação da reitoria, o que, pelo o que eu vivenciei e às visitas que fiz à reitoria durante a ocupação, não é verdade. Estudantes, intencionalmente ou não, ficam com suas trajetórias pessoais marcadas por ações que jamais realizaram.
Assim, é importante vivenciar a história do CADir por diversas versões, complementares ou contraditórias e, principalmente, por múltiplas vozes.