No filme “Os Sonhadores”, de
Bernardo Bertolucci, três jovens se trancam num apartamento durante as revoluções da França no maio de 1968. O personagem americano, dentro da
banheira em conjunto com um casal de irmãos, sente aquele momento como
inigualável, único. Compreendendo que aquilo também era sentido por os jovens
que ali vivenciavam aquele momento, fez uma pequena declaração: “eu amo vocês”.
Os outros dois ficaram um tanto
impassíveis. Não demonstraram uma reação muito emotiva, apenas falaram “Obrigado.
Eu também”. Enquanto isso, o americano fica tristonho. Se eu fosse o americano,
eu tiraria duas conclusões:
1.Eles estão vivendo aquele momento não como algo
tão importante e saliente, mas apenas como uma vivência, trata-se de uma
relação passageira. São apenas joguinhos sobre filmes, apostas sexuais e nudez
banalizada; ou
2. Também experimentam aqueles dias como realmente únicos,
ótimos, pessoalizados. Porém o sentimento não precisa/deve ser expresso - o
amor está por baixo de outras declarações.
Eu gostaria muito de acreditar que
se tratava da segunda opção, mas o personagem francês, Louis Garrell, sai às
ruas e participa das manifestações. Neste momento, ele deixa para trás a casa, a
irmã e todas aquelas pequenas mentiras. E é esta a constatação melancólica do
personagem americano: ele não é amado como ama. A expressão dos sentimentos, em
suas mais diversas maneiras, é tão importante. A falta de expressão não aproxima, só distancia.
Recentemente baixei a trilha sonora de "O Piano" (The Piano, Nova Zelândia, 1993), filme dirigido por Jane Campion. . Uma das faixas deste album me toca em espacial. Chama-se "The mood that passes through you", de autoria do Michael Nyman.
A melodia começa com tons mais graves e depois vai ficando com o som mais agudo. Porém, em algum momento, eu começo a achar que a música desanda, perde seu ritmo e poderia ficar nas teclas mais à direita. Se eu tenho críticas à música, por que continuo escutando? Isto me fez pensar que eu gosto mais da música pelo o que ela representa dentro do filme do que necessariamente pela melodia dela. E então eu lembrei da cena, que agora conto pra vocês.
No entanto, é preciso fazer antes uma pequena sinopse do filme para situar esta cena:
SPOILERS OPEN
Ada (Holly Hunter) é uma mãe solteira muda que vivia na Escócia do século XIX. Seu pai realiza um casamento arranjado com um colono britânico na Nova Zelândia, de modo que ela e sua pequena filha (Anna Paquin) se mudam para as terras exóticas daquela ilha no Pacífico.
Enquanto esperam pela chegada do seu novo marido Alisdair (Sam Neil) na praia deserta em que desembarcam, Ada toca músicas no piano. O filme utiliza-se de uma voz off (artifício desnecessário, diga-se de passagem) para mostrar a paixão que esta tem por seu piano, em que ela indica que sentirá falta de tocá-lo durante a longa viagem que fará até a Nova Zelândia. Durante a espera, mostra-se o seu rosto enquanto toca o instrumento, em que os olhos se fecham e o sorriso se abre sem muito intuito.
A chegada no novo marido para buscá-la na praia, no entanto, começa mal. Este, incapaz de perceber a importância do instrumento, não se dispõe a levá-lo para a fazenda por ser muito pesada. Ada esperneia, faz linguagem de sinais para a filha tentar impedi-lo de deixar o piano no mar, fica emburrada. Todas essas ações, em vão, revelam que Ada vê naquele instrumento muito mais do que um lazer, mas também um instrumento de comunicação. E todo o filme é neste sentido: um desentendimento levando às consequências de um relacionamento que jamais irá decolar, porque o piano é onde Ada se impõe, por onde ela pode se comunicar.
Neste meio tempo, entra um capataz Baines (Harvey Keitel), que tem uma sensibilidade maior em perceber como aquele instrumento é, para Ada, tão importante. Ao vê-la pedindo para ser levada com a filha para praia, o capataz pede para Alisdair o piano para sua casa. Ada reluta, mas depois descobre que poderá tocar o piano na casa do capataz.
Durante esses encontros na casa de Baines, este intensifica seus desejos por Ada, que também fica desejosa por alguém que lhe deu acesso ao piano. Mas Baines, por mais sensível, vê também que conseguirá algumas coisas em troca do piano. Assim ele começa a barganhar o instrumento em troca de pequenos favores, como tocar em suas pernas, abraçá-la, beijá-la. Ada, agora casada, reluta em ceder a Baines, mas ao mesmo tempo começa a sentir prazer em ser desejada, ficando um pouco grata por ele dar acesso ao seu piano,.
Nesses pequenos encontros, acontece a cena que eu acho sensacional. Por volta de 40 minutos de projeção, Baines pede para Ada tocar o piano. Ada se vira e "The mood that passes through" entoa belamente, no momento em que Baines começa a tocar em suas costas. A melodia vai ficando aguda e o movimento da cena mostra que Ada também estava gostando do toque. Baines vê na recepção um momento de aumentar a intensidade do toque, mas Ada, ainda receosa com os desejos que estava sentindo, começa a tocar uma outra melodia, quase uma marchinha. Interrompe-se o contato.
Se vocês viram pela descrição, a cena não tem mais de 2 minutos. Porém eu acho a Jane Campion genial neste sentido. Trata-se de um prazer interrompido, de alguém que muda da melodia sedutora para a barulhenta em busca de interromper um desejo com culpa. Como espectador, fiquei com uma vontade tremenda que aquele ato se consumasse, que a Ada cedesse e que o Baines se saciasse, mas não: voltamos ao mundo normal, onde os desejos são contidos e senti-los é um momento de culpa.
Por conseguir utilizar a trilha sonora como parte da comunicação de Ada e por expressar um desejo interrompido pela culpa, eu gosto muito de "The mood that passes through". A cena, para mim, é belíssima, apesar de não consegui achá-la no youtube.
No mais, fica a indicação do filme. Hoje, depois de tanto assisti-lo, acredito que ele perdeu um pouco do brilho. Mas, mesmo assim, vale muito a pena.
Em 2004, escrevia um jornal feito no Complexo
Educacional Contemporâneo, em Natal. O jornal se chamava “Dê Niu Iorqui Taimes” e tratava basicamente de fofocas internas
da turma, com piadinhas sobre colegas de sala. Era bastante divertido, apesar
de ter algumas piadas homofóbicas que hoje eu não faria e, em muitos sentidos,
era potencialmente uma fonte para bullying.
Quando
vim para Brasília, ele foi extinto. Mas as pessoas quiseram assumir a ideia, surgindo
novos escritores e novos jornal. Acho que foi Guma, Pedro Barros, Marília e outras pessoas que
continuaram a escrita dele. Não lembro bem
Dois meses depois, jornais foram proibidos pela
direção da escola. A coordenação, em conjunto com a diretoria, afirmou que o
jornal não tinha nada de educativo, de modo que seria um desperdício de tempo a
apresentação dele na frente da sala. Oito anos se passaram e eu já via tal
explicação como bastante tosca. O que eu penso hoje só confirma o quão imbecil
é um educador afirmar que um jornal publicado por alunos não é um processo
educativo. Antes fosse afirmando que o jornal era um foco de bullying (o que eu
acredito que não fosse), mas não. O que apenas foi dito era que aquilo era um
desperdício de tempo e uma deseducação. Eu não sei se preciso explicar isto, mas aquele jornal era
capaz de desenvolver muitas habilidades nos estudantes. A escrita, a leitura,
oratória, conhecimento de gêneros textuais, desenvolvimento crítico, observação
dos fatos sociais, etc.. Mas o autoritarismo de uma escola é incapaz de
permitir iniciativas que não sejam constituídas pela equipe pedagógica.
Quando o jornal foi censurado, fiz críticas no
antigo fotolog da turma. Pelas críticas, a diretoria ligou para minha mãe e conversou
sobre esse texto, porque aquilo era propaganda negativa. Com isto, deletei o
texto, meio que com medo do que poderia acontecer, como um processo judicial
por injúria. Hoje, como sou advogado, sei muito bem que o que eu disse não era,
nem de longe, algo errado. Uma iniciativa como a menina do “Diário de Classe”,
pelo contrário, tem sido vista como bastante positiva. Queria ter continuado a
escrever minhas críticas àquela escola, só que escutei dos meus queridos pais
que “merda a gente faz no sanitário”. =(
Hoje eu entrei no sítio eletrônico da minha
escola em Natal (http://www.contemporaneo.com.br). Não sei como está a
administração da escola dentro de sala de aula, quais são as tensões existentes
entre alunos e corpo docente, mas o sítio eletrônico já demonstra como são lamentáveis as
concepções de educação que se há naquela escola. O ensino médio não é
apresentado como simplesmente “ensino médio”, mas como “ensino
médio/pré-vestibular”.
Por que pensar o ensino médio como
pré-vestibular? Este nível da educação deveria ser auto-suficiente, por mais
que seja desejoso aos estudantes continuar seus processos de formação na
educação superior. É um desserviço acreditar que aquilo é uma etapa que se
coroa pela conquista de uma vaga na Universidade. Essa ideia é tão naturalizada
que o terceiro ano do ensino médio não é chamado de “3º”, mas de “pré”. E, como
eu lembro, o "pré" não precisaria se dedicar à educação física e não
participa das atividades extra-curriculares da escola. Muito pelo contrário: os
“pré-vestibulandos” devem se centrar nos estudos para o vestibular, fazendo uma
revisão completa de todas as disciplinas do ensino médio.
Terminado o que eu tenho a comentar, uma pergunta que não quer calar: será que vão ligar aqui pra casa depois de
reclamar sobre minhas críticas?
Não sei se essa história é
verdadeira, mas, mesmo que seja falsa, ela é minimamente plausível. Dizem que aconteceu numa universidade particular, mas poderia acontecer na Universidade
de Brasília que não me causaria espanto. Eu vou floreá-la para deixar mais
bonita e, portanto, isto aqui não passa de uma alegoria.
Certa vez, uma professora de
direito processual penal iniciou o semestre fazendo uma pequena revisão sobre
direito penal, apresentando alguns conceitos que as pessoas aprendem na “teoria
do crime”. Em certo momento, a professora apresentou o conceito de “crime
impossível”. Para quem não sabe o que significa este conceito, pode-se dizer
que é quando alguém acha que esta cometendo um delito, mas sua ação não é
tipificada em lei. Um exemplo bem clássico é quando uma pessoa atira num
defunto achando que ele ainda estar vivo. A intenção, de fato, era cometer um
homicídio, mas as circunstâncias de que a potencial vítima estava morta impede
de subsumir a uma ação de “matar alguém”.
Pois bem. A professora, com o
intuito de “provocar” a turma, fez um exemplo um tanto ortodoxo. Ela afirmou
que era um crime impossível o estupro de “mulher feia”. Começou a soltar um
monte de gafes estilo Rafinha Bastos (não, ele ainda não tinha soltado esta
pérola horrorosa no seu programa), dizendo que aquilo era um favor e que, por isso,
não poderia ser punido penalmente.
A sala de aula, escutando tal
tipo de comentário, se remexeu. Alguns acharam super engraçado, afinal, era
isso mesmo! “Mulher feia não sofre estupro, ganha favor”. Em um ponto da sala,
alguns com o espírito um pouco mais feminista, que vêem nesta atitude uma
hierarquização frontal às relações de gênero, começaram a ficar desconfortáveis.
Entretanto, esses sentimentos
ficaram guardados. O silêncio, às vezes cortado por risadinhas dos idiotas, se
manteve. A professora não quis deixar passar e continuou com argumentos
circulares. O desconforto batendo nas cabecinhas de estudantes, principalmente
das mulheres, mas todo mundo continuou calado.
A professora ficou abismada com a
passividade apresentada. Foi então que ela se explicou, disse que não
concordava com nada do que tinha dito, que se tratava apenas de uma atuação
tosca. Afirmou que queria ver o grau de espírito crítico da turma, e em que
sentido eles são contestadores. Quando a máscara da professora caiu, todos os
alunos começaram a modificar seus comportamentos: quem ria, parou. Quem estava
sério, começou a endossar os comentários da professora.
Se eu fosse essa professora, eu
ficaria triste em perceber que os estudantes se comportam de acordo com o que o
professor demonstra seu pensamento. Parece que a sala de aula é um espaço em
que o que o professor diz é verdade, que não há razões de discordar.
Uma das minhas razões de sair de
uma faculdade de direito é esta. Professores são poderosos demais. O espaço
escolar está longe de ser um local em que as regras de democracia e comportamento
adequado são sancionados.
Eu fico abismado com a quantidade
de ações abusivas que um professor poderá cometer. Me espanta, entretanto, a
passividade de alunos diante dessas ações.
Imagens escondidas de uma banca de revista no centro de Goiânia-GO, em que mostra a equipe do governador Marconi Perillo, senador Demostenes Torres e sua trupe corrupta tentando esconder o escândalo ao pegar todos os exemplares da revista Carta Capital.